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no parlamento britannico-que o trafico tinha sido sanccionado por parlamentos em que tinhão assento os jurisconsultos mais sabios, os theologos mais esclarecidos, e os homens de estado mais eminentes-;quando Lord Hawksbury, depois Conde de Liverpool, propunha que as palavras-inconsistente com os principios de justiça, e humanidade-fossem riscadas do preambulo da lei que abolio o trafico de escravos; quando emfim o Conde de Westemoreland declarava-que, ainda que elle visse os presbyteros, e os prelados, os methodistas, e os prégadores do campo, os jacobinos, e os assassinos reunidos em favor da medida da abolição do trafico de escravos, elle havia de levantar bem alto a sua voz contra ella no parlamento.

Não é concebivel como possa o trafico ser considerado hoje pirataria, segundo o direito das gentes, quando não ha muitos annos ainda a mesma Inglaterra não se reputava infamada em negociar em escravos africanos, e quando outras nações cultas ainda ha bem pouco tempo proscreverão esse trafico.

Escravos indios conserva presentemente a GrãBretanha.

Russia, França, Hespanha, Portugal, Estados-Unidos da America do Norte, Brasil, e outras potencias, ainda não abolirão a escravidão.

Obvio é, portanto, que factos que tantas nações praticão actualmente, e que ainda não ha muitos annos erão praticados por todo o mundo, não serão com justiça considerados pirataria senão entre povos que

como tal os classificarem expressamente nos seus tratados.

Se o trafico de Africanos não é a pirataria do direito das gentes, se pela Convenção de 23 de Novembro de 1826 o Brasil não outhorgou á Inglaterra o direito de punir, e julgar como pirataria os subditos Brasileiros, e sua propriedade, suspeitos de se empregarem no trafico, é evidente que a Inglaterra não póde exercer um tal direito pelos seus tribunaes, sem offensa da soberania, e independencia da Nação Brasileira.

Nem até o presente o governo britannico se tem considerado investido de semelhante direito contra os subditos Brasileiros pelo crime de traficarem em Africanos; muito pelo contrario expressamente tem elle reconhecido incompetentes os seus tribunaes para taes julgamentos.

Na correspondencia havida entre o governo imperial, e a legação britannica de 31 de Outubro de 1843, e de outras datas, que teve lugar por occasião de ser detido a bordo da escuna Tartaruga o subdito Brasileiro Manoel José Madeira, mandado para o Cabo da Boa Esperança por ter sido apprehendido a bordo da dita escuna, que se disse occupada no trafico prohibido, declarou o Ministro de S. M. Britannica nesta Côrte, em nota de 12 de Novembro do dito anno, que este individuo, assim como os que se achavão a bordo da Tartaruga, tinhão sido conduzidos para o Cabo da Boa Esperança, porque talvez fosse precisa a sua presença, quando tivesse de ser julgado

aquelle navio pelo tribunal do Vice-almirantado, como testemunhas, e meio de se verificarem os actos de pirataria.

E com effeito, apenas foi julgado o referido barco, voltou aquelle Madeira com os outros, o que tudo consta da citada correspondencia official.

Que esta seja a intelligencia que deve dar-se ao Tratado de 23 de Novembro de 1826, mais se evidencia conferindo-se o citado art. 1° com os Tratados que a Inglaterra tem celebrado com todas as nações sobre este objecto.

Facil é consultar os Tratados feitos com a Republica Argentina em 24 de Maio de 1839; com a Boli-via em 25 de Setembro de 1840, artigos addicionaes da mesma data, e annexos; com o Chile em 19 de Janeiro de 1839, artigos addicionaes da mesma data, e annexos; com o Haiti em 23 de Dezembro de 1839; com o Mexico em 24 de Fevereiro de 1841, artigos addicionaes da mesma data; com Texas em 16 de Novembro de 1841, annexos, e declaração assignada em Washington em 16 de Fevereiro de 1844; com o Uruguay em 13 de Junho de 1839, artigos addicionaes da mesma data, e annexos; e com Venezuela em 15 de Março de 1839.

Reconhecer-se-ha desde logo em cada um destes Tratados que ambas as partes contractantes se compromettem a concertar, e a estabelecer, por meio de Convenção, os pormenores das medidas conducentes a que a lei da pirataria, que então se fizer applicavel ao dito trafico, segundo a legislação dos respectivos

paizes, seja immediata, e reciprocamente posta em execução relativamente aos barcos, e subditos de cada uma.

Se bastasse considerar-se o trafico pirataria para o effeito de serem os individuos, e 'sua propriedade julgados pelos tribunaes das nações que os apprehendessem, escusado era 'em todos os sobreditos actos, não só declara-lo pirataria, mas comprometterse além dis to cada uma das partes contractantes a fazer leis especiaes, e a punir os subditos ou cidadãos criminosos no trafico, segundo essas leis.

Se pela simples declaração de ser pirataria o trafico de escravos não forão os subditos Brasileiros esbulhados com a sua propriedade do direito de serem julgados pelas autoridades do seu paiz, tambem não ficárão os seus navios sujeitos a visitas, buscas, e capturas pelos cruzadores inglezes.

Já se mostrou que o direito das gentes não reconhece o direito de visita, e busca no alto mar em tempo de paz. Os tribunaes inglezes assim o têm por vezes reconhecido, como aconteceu no caso do navio francez Louis, capturado no anno de 1820 na Costa d'Africa, por se occupar no trafico de escravos, declarando-se que tal captura era nulla, porque o direito de visita, e busca no alto mar não existe em tempo

de paz.

Lord Stowell na decisão deste caso allegou como argumento especial que, ainda mesmo admittindo que o trafico estivesse effectivamente prohibido pelas leis municipaes de França, o que era duvidoso, o di

reito, de visita, e busca, sendo um direito exclusivamente belligerante, não podia, conforme o direito das gentes, ser exercido em tempo de paz para executar-se aquella prohibição por meio dos tribunaes Britannicos, a respeito da propriedade de subditos Francezes.

Proferindo o julgamento do supremo tribunal do Almirantado neste caso, Lord Stowell declarou mais que o trafico de escravos, posto que injusto, e condemnado pelas leis municipaes da Inglaterra, não era pirataria, nem era crime a face do direito das gentes absoluto.

Com effeito, se tal direito pertencesse a uma nação, devia igualmente pertencer a todas, causaria males incalculaveis, porventura a guerra universal.

Que tal direito não pertence á Inglaterra sobre os navios das outras nações, reconhecem-o, e proclamão-o, além disto os proprios Tratados que a Ingaterra tem celebrado, porque todos o estipulão expressamente, bem como o estipulárão os de 1815, e 1817, entre Portugal, e a Inglaterra, os quaes, vigorados pela Convenção de 23 de Novembro de 1826 entre a Inglaterra, e o Brasil,expirárão no dia 13 de Março do corrente anno.

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Do que fica exposto, e demonstrado, resulta a evidencia de que o acto que passou como lei no parlamento Britannico, e foi sanccionado pela Rainha da Grã-Bretanha no dia 8 do mez de Agosto do corrente anno,sob o pretexto de levar-se a effeito as disposições do art. 1o da Convenção celebrada entre as corôas do

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