RESPOSTA E REFLEXÕES A CARTA QUE D. CLEMENTE JOSE' COLLAÇO LEITÃO ESCREVEO A D. SALVADOR DOS REIS SOBRE A SENTENCA QUE A INQUISIÇÃO DE LISBOA PROFERIO EM SETEMBRO DE 1761 GABRIEL MALAGRIDA LISBO A: NA IMPRESSÃO REGIA. ANNO 1826. Com Licença. BX 1730 .522 1826 Qui dicunt impio: Justus es: maledicent cis populi, et det tabuntur cos tribus, Qui arguunt eum, laudabuntur: et super ipsos veniet ber dictio. Labia deosculabitur, qui recta verba respondet. PROVERB. cap. 24 v. 24, 25. 26. INTRODUCÇÃO PRÉVIA APPARECE PPARECENDO nesta Corte huma Carta, que D. Clemente José Collaço Leitão, Bispo de Cochim, escrevêra a D. Salvador dos Reis, Arcebispo de Cranganor, ambos Socios da abolida, e extincta Sociedade Jesuitica, com a data de 5 de Abril de 1767; de cuja Carta, escripta em Coulão, he todo o objecto a justissima Sentença, que a Inquisição de Lisboa proferio em 20 de Setembro de 1761 contra o Réo Gabriel Malagrida, Membro da mesma extincta Sociedade, convencido do crime de Heresia: Fazendo sobre a mesma Sentença humas Reflexões vãs, impias, infamatorias, temerarias, escandalosas, e em si mesmas contradictorias, tendentes a calumniar o rectissimo, e sempre respeitavel Tribunal da Fé, e a declarar indemne de toda a culpa o referido Gabriel Malagrida, de cuja Religião, costumes, e doutrina são Provas exuberantissimas, e incontestaveis os seus mesmos Escriptos, e os factos acontecidos não só nesta Corte de Lisboa, e nos Carceres do Sancto Officio, mas tambem nas terras da America Portugueza, pelas quaes viajou com o especioso, porém falso titulo de Missionario Apostolico, foi o meu primeiro impulso desprezar a sobredicta Carta, servindo-lhe de Resposta o justo, e prudente desprezo, que merece hum tão infame Papel, no qual bem se deixa vêr que só tiverão parte a paixão, a malicia, a calumnia, a vingança, e a ignorancia. Fazendo porém huma beni madura Reflexão, de que a sobredicta Carta he escripta por hum Bispo, e dirigida a hum Arcebispo, aos quaes está encarregada por Lei de Deos a salvação de tantas Almas, sendo obrigados a aparta-las dos venenosos, e mortiferos pastos da iniquidade, e mentira, e conduzi-las, ainda com o maior risco, a gostarem o saboroso, e saudavel alimento das Virtudes; e Verdades Christãs; ensinando-lhes que' o Tribunal da Fé he aquelle forte, e inexpugnavel Propugnaculo, que em todo o tempo, sem nelle fazerem a mais leve brecha o respeito obsequioso, o vil interesse, ou a indigna acceitação de Pessoas, tem sustentado com a maior firmeza as dictas Virtudes, e Verdades: Sendo certo que a sobredicta Carta, authorisada por hum Bispo, e hum Arcebispo, se tinha divulgado pelas Missões do MaJabar, e que a tinhão lido alguns d'aquelles Ficis, que erão Subditos, e Ovelhas dos sobredictos dous Prelados; termos, em que os referidos Christãos se achão miseravel, e desgraçadamente illudidos por seus mesmos Pais, e Mestres espirituaes; chegando talvez alguns delles a persuadir-se que a Inquisição de Lisboa declarára por Herege hum homem muito Orthodoxo; condemnára hum innocente e que no mesmo gremio da Igreja fizera hum Martyr da Religião: Senti-me opprimido de hum pezo tão insupportavel que facilmente me não poderia alliviar d'elle, sem fazer público quanto se lê de infame, de impio, de temerario, e de mentiroso na referida Carta, e encaminhar todo o meu trabalho a soccorrer com as luzes da verdade aquelles infelizes Christãos do Malabar, contra os OS quaes se tem levantado, como lobos vorazes, mesmos que, tendo sanctissimas obrigações de serem bons, e verdadeiros Pastores, perdem, e dilacerão os innocentes Rebanhos, que Jesu Christo lhes entregou para os lucrarem, e não para os perderem; sem advertirem que ficão incursos na terrivel ameaça, que Deos lhes faz por Jeremias : Va Pastoribus, qui disperdunt et dilacerant gregem pascuæ meæ... (1) Eu bem conheço o grande trabalho, a que me sujeito, pondo-me na obrigação de responder com distribuição, e clareza a huma Carta indigestissima, destituida de toda a formalidade, e deducção, e concebida em termos evidentissimamente contradictorios. A tudo porém obriga o amor da verdade, e a Caridade Christã. Protesto não seguir a referida Carta clausula por clausula, nem periodo por periodo; mas não deixarei objecto algum della sem huma verdadeira, e solidissima Resposta, não preterindo em seus lugares as indispensaveis Reflexões. (1) Cap. 23 v. 1. |